sábado, 10 de dezembro de 2011

Lisboa, 10 de Dezembro

Preciso cada vez mais de ti Leonor. Sei que te desiludi, sei que te magoei, mas não percebo o porquê de não responderes a todas estas mensagens. Eu mudei, mudei muito, por ti, por mim e por todos os nossos amigos, eu quero que tudo volte a ser como era, quero que voltemos a ser como eramos, eu, tu, a Mafalda e a Rita, mas eu não consigo lutar sem a vossa ajuda, voces são a minha corrente, mas que neste momento está muito fraca.
Por favor amiga, não me deixes aqui caída como uma rocha no fundo do oceano...

Liliana

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Lisboa, 8 de Dezembro

Sinto-me fraca, impotente e incapaz de lutar contra mim própria e contra a pessoa que me transformei. Sinto-me como um sedimento caído no fundo do oceano, que não tem força para regressar à superfície. Talvez só precise de mais corrente e de uma onda que arrebente na costa de uma praia que me faça voltar ao sítio aonde pertenço, de onde fui erodida, meteorizada e transportada. Eu sou como uma rocha a tentar realizar o seu ciclo, mas é mais fácil uma rocha magmática transformar-se em sedimentos, do que os sedimentos voltarem a transformar-se numa rocha magmática.
Liliana

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Lisboa, 28 de Outubro

Quando acordei, já me encontrava no hospital, rodeada por médicos e enfermeiros. Não tinha noção do tempo, lembrava-me apenas do local em que me encontrava antes de desmaiar, podiam já ter passado horas ou até mesmo dias, mas era como se o tempo parasse, e clicasse agora no play.
Ainda a tentar voltar à minha racionalidade total, tentava ouvir ao longe, o que o médico dizia, e quando me apercebi, a conversa era entre a minha mãe, um médico e um psicólogo, contudo a conversa terminou e não percebi do que se tratava e muito menos porque é que o psicólogo estava incluído nela.
Mais tarde, os três caminharam até junto da minha cama, e explicaram o que acontecera comigo naquele dia. À medida que iam falando, os fantasmas do passado invadiam a minha mente, imagens confusas e desfocadas eram libertadas ao longo do meu pensamento, episódios na minha vida estavam a ser revividos desde o inicio da minha bulimia até ao ponto que ela me destrói. Sentia-me incapaz de pronunciar uma simples palavra e quando voltei a focar as faces dos médicos e da minha mãe, apenas via as lágrimas a escorrerem pela minha face. As lágrimas de uma bulimica e agora de uma anoréctica .
Liliana

sábado, 22 de outubro de 2011

Lisboa, 22 de Outubro

Ninguém é totalmente forte, podemos aparenta-lo mas nunca o somos, mas outros são totalmente fracos e eu sou apenas mais uma fraca no meio deste mundo repleto de gente fraca. Desisto das dificuldades, fugo aos problemas e caiu sempre que encontro uma pedra no caminho como se fosse uma espécie de animal irracional que não aprendesse com os seus próprios erros.
Voltei a cair novamente, mas desta vez a força do embate foi mais intensa do que fora das outras vezes. Desisti novamente e não consegui resistir ao delicioso CBO. Quando me apercebi já me encontrava na casa de banho. Agora já nem necessitava da ajuda dos dedos para que tudo o que tivesse ingerido fosse expulso do meu organismo, o problema é que não era apenas os alimentos que eram expulso, mas junto com eles estava misturado o suco gástrico que passava pelo meu esófago destruindo as suas paredes e que hoje me está a destruir por completo.
Estava agora a perder o resto da minha racionalidade e os meus sentidos estavam escassos, os sons ao longe tornavam-se confusos e apenas me recordo de conseguir ver, desfocadamente, o meu sangue misturado com o vomitado.
Liliana

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Lisboa, 10 de Outubro

Encontro-me agora estendida no chão como uma folha caída em pleno Outono.
Já tinha perdido 5 quilos e desta vez não era porque o desejasse.
Sempre que olhava para a comida, a vontade era imensa, a vontade de poder trincar um croissants e saber que não ia instantaneamente vomitar.
Numa quarta-feira ao sair das aulas cheguei mesmo a entrar numa pastelaria, olhei para os bolos e naquele momento a minha vontade de ingeri-los era mais forte do que a vontade de não querer vomitar. Pedi á senhora dois croissants de chocolate e duas bolas de berlinde, mas assim que a senhora voltou costas para ir buscar os bolos, tomei consciência de que não o podia fazer, portanto de imediato comecei a correr, para que não tivesse tempo de pensar, de deliciar os croissants mentalmente e de voltar para trás para os poder saborear fisicamente. Talvez se fosse hoje, não o fazia da mesma maneira, se fosse hoje era capaz de voltar para trás e ingerir aquelas calorias todas e só depois de vomitar é que me iria arrepender, mas talvez se também fosse hoje eu não teria feito o mesmo que fiz naquela festa e as coisas não chegariam ao ponto a que chegaram.
Liliana

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

No Food

Lisboa, 3 de Outubro

A cada dia que passava, começava-me a sentir mais fraca. Era como se algo me tivesse atingido os músculos, e até mesmo o acto de levantar os pés, emiti-los para a frente e voltar a pousar no chão, era um acto extremamente difícil.
O facto de tentar não ingerir alimentos, era mais difícil do que aparentava ser, não só fisicamente, mas psicologicamente.   A dificuldade de concentração e a minha fraca capacidade intelectual eram umas das poucas consequências de não ter uma alimentação equilibrada.   Mais uma vez, eu sabia  as consequências dos meus actos, mas novamente eu fazia-o, não porque quisesse, mas porque tinha de o fazer...

Liliana

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Lisboa, 30 de Setembro

Apesar de estar consciente do meu problema  já não conseguia parar, por muito que quisesse, isso já não estava sob o meu controle, por mais que eu desejasse parar de vomitar, não conseguia, pois agora já era o meu corpo que me dominava.
Tinha passado quase um ano a tentar domina-lo, obrigando-o a fazer algo que não pertencia à sua natureza, ele não o queria fazer, eu sabia que não, até porque já tinha estudado em ciências as várias consequências desses actos.
Provocar o vomito, foi sempre um acto consciente, eu sabia as consequências, mas achava que valia a pena sofre-las se deixasse de ser gordae nunca cheguei a pensar que chegaria a este ponto. Sabia que aquela dor que sentia sempre que colocava os dedos da boca, ia permanecer sempre lá, mas à medida que o tempo ia passando eu própria ja me tinha habituado a ela, mas agora, era eu que já não queria mais e simplesmente não conseguia parar. Sempre que ingeria qualquer tipo de alimento, a primeira reacção era sempre vomitar. Apesar de eu querer que aquilo parasse, era algo impossível de controlar, portanto a minha ultima opção era parar de COMER.

Liliana

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Lisboa, 16 de Setembro

Olhava-me ao espelho e parecia que tudo continuava igual. Parecia que este tempo todo, torturando-me a mim própria  não tinha valido de nada, parecia que tudo tinha sido em vão. Custava-me ver o meu reflexo... quer seja num vidro, num espelho e até mesmo na água. Tinha vergonha de mim, daquilo que era, daquilo que me transformara.
Sabia que não estava certo, já o tinha lido antes, em livros, na Internet. Eu sei que a maioria das pessoas pensa sempre que as bulimicas (sim, estou a admito-lo) não sabem que provocar o vomito é errado. Nós sabemos, simplesmente não é algo que queremos fazer, nós temos de o fazer.

Liliana

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Lisboa, 5 de setembro



Voltei para o Hospital passado uma semana, pois fui novamente apanhada pela minha mãe na casa de banho, já que ela agora andava muito mais atenta.
No final de uma semana inteira trancada no Hospital, os médicos disseram que eu não estava preparada para voltar para casa e que a minha suposta "bulimia" ainda não estava curada, disseram que fisicamente já estava pronta, mas que psicologicamente sabiam que ainda estava fraca, dizendo "A Liliana ainda não tomou consciência do meu problema". Eu sabia que tinha agido mal, tomando aquela reacção depois de me terem dito que eu continuava a ser bulimica e que aquela semana que anteriormente tinha passado lá não valera de nada, sabia que não deveria ter começado logo aos berros a dizer que eles estavam doidos e que não era bulimica. Então, quando me apercebi desse terrível erro, decidi remedia-lo. Comecei pelo psicólogo, dizendo-lhe : "Eu sei, sei que cometi muitos erros, que não deveria ter começado a vomitar e a fazer esta dieta sem controlo nenhum, mas estou arrependida e agora só quero ficar bem", cheguei mesmo a começar a chorar para mostrar o meu "suposto" arrependimento  A conversa foi igual com a minha mãe e com os restantes médicos e enfermeiros.
Finalmente voltei para casa, e poderia continuar com a minha dieta. Agora, seria muito mais cuidadosa e exigente comigo mesma, pois tinha passado duas semanas a ingerir calorias.

Liliana

sábado, 3 de setembro de 2011

Lisboa, 3 de Setembro

Como é óbvio e como seria de esperar aquela semana no Hospital de Santa Maria não adiantou de nada, não seriam apenas 7 dias que me iriam fazer desistir da minha dieta e principalmente não me iriam fazer mudar de ideias quanto ao facto de SER gorda. Eu era gorda e admitia-o sem qualquer complexo, era um facto… mas um facto que em breve iria ser modificado.


Liliana

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Lisboa, 2 de Setembro

Fui obrigada a lidar com tudo; nutricionistas, psicólogos, familiares a perguntarem "porque ?!" e eu simplesmente a responder "agora estou bem" quando o que me apetecia dizer era "Porquê?! Are you kidding me ?! Eu sou gorda, sempre o fui e vocês sempre me disseram e agora fingem que estão preocupados quando é somente uma capa que vos tapa a alma, uma capa que esconde aquilo que realmente pensam, porque eu sei que vocês continuam a pensar o mesmo que pensavam quando fiz os meus treze anos, sei que me continuam a olhar de cima a baixo e a pensar "GORDA", assim como pensam todas as pessoas que passam por mim na rua."

Apenas queria sair dali, daquele hospital que ainda hoje lhe sinto o cheiro, aqueles médicos, aquelas pessoas, toda a gente, simplesmente queria que me deixassem em paz e que deixassem de fingir que estão preocupados quando não o sentem. Eu sabia que ia ter de continuar com as sessões no psicólogo, mas eu apenas queria voltar para casa e deixar de ser o centro das atenções.

Liliana

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Lisboa, 29 de Agosto

Tinha acabado de vomitar tudo o que tinha ingerido... 
Depois de deglutir aquilo tudo, tinha somado as calorias e dava cerca de 1100, foi então que o desespero e o arrependimento apoderou-se mais uma vez de mim. Nessa altura o vomito era instantâneo, mesmo que eu não o quisesse fazer o meu corpo obrigava-me, pois já o tinha obrigado tantas vezes a fazê-lo que agora era ele que me controlava. 
Estava no quarto a comer às escondidas quando a minha mãe entra e nesse instante apercebi-me que ia vomitar, então corri até á casa de banho, e vomitei tudo o que tinha ingerido... foi então que a minha mãe se apercebeu o que se estava a passar comigo. Todas as idas á casa de banho depois do jantar, todas as vezes que me trancava no quarto (em que comia ás escondidas), todo este peso perdido, tudo... estava agora mais explícito do que água.

Liliana

sábado, 27 de agosto de 2011

Lisboa, 27 de Agosto

A partir desse dia, era instantâneo. Sempre que ingeria o quer que fosse, ia até à casa de banho e vomitava tudo. Sentia-me mal de todas as vezes que engolia um alimento, quer fosse uma salada, quer fosse uma hambúrguer. No meu subconsciente  havia sempre algo que me dizia que tinha que o fazer, havia sempre algo que me dizia que se não o fizesse iria ficar mais gorda, então eu fazia-o. A princípio era sempre uma sensação estranha na garganta, mas depois o meu corpo começou-se a adaptar a essa sensação que ainda hoje permanece comigo.  
Havia alturas que passava horas sem ingerir nada, mas havia outras em que a tentação superava a minha vontade de emagrecer e então comia tudo o que via como se não houvesse amanha, mas no fim... no fim voltava aquela sensação de que não o deveria ter feito e instantaneamente dirigia-me para a casa de banho. 

 Liliana 

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Lisboa, 26 de Agosto

Nunca mais vomitei até completar os meus treze anos. Foi então que na minha festa de anos toda a gente me dizia que precisava de emagrecer, que não parava de comer, e cheguei mesmo a ouvir a palavra "gorda". Nesse instante já não conseguia prestar atenção a nada, as palavras simplesmente formaram um novelo de lã e a confusão no meu cérebro era tal que me limitei a levantar e a dirigir-me para a casa de banho. Tranquei-me lá dentro, e chorei como se fosse o fim do mundo, talvez as pessoas não tivessem dito por mal, talvez só me estivessem a tentar ajudar, mas o problema é sempre esse, as pessoas falam sem pensar e por vezes magoa.
Foi então que voltei a provocar o vomito, um acto tão simples como colocar os dedos na boca e fazer pressão para que tudo o que tenhamos ingerido seja expulso do nosso organismo. Um acto tão simples que destruiu o meu organismo por completo.

Liliana 

terça-feira, 23 de agosto de 2011


Lisboa, 23 de Agosto

Sempre me senti diferente... diferente das outras raparigas da minha idade, de toda a gente. Sempre achei que quando passeava na rua, as pessoas me olhavam dos pés à cabeça e pensavam "lá vai a gorda" por isso evitava ao máximo sair de casa. Tinha vergonha de mim...
Da primeira vez que vomitei, tinha apenas 12 anos. Estava numa festa e no fim do jantar sentia-me mal. 
O prazer encontra-se desde o momento em que observamos a comida até ao momento que a engolimos, mas a partir desse instante vem o desespero, o mal estar e a angústia. 
É nessa situação que nossa cabeça se transforma numa balbúrdia total e a confusão é tanta que só se encontra uma solução… o vómito.

Liliana  






segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Lisboa, 22 de Agosto

Costumava ler textos e desabafos de adolescentes que estavam na mesma situação que eu estou agora. Cheguei mesmo a ter que fazer um trabalho quando andava no 6ºano sobre bulimia, na altura achava estúpido o trabalho ter como titulo “bulimia” (nunca gostei de ser directa), portanto este teve como título “Lado Obscuro”, talvez um pouco estúpido pois nunca ninguém pensaria que o trabalho abordaria o tema “bulimia” mas era esse o objectivo. Deixar alguma curiosidade ao leitor.
Sempre achei estúpida a forma como elas tentavam emagrecer, a forma como seguiam aquele objectivo sem se aperceberem das consequências. E sempre pensei "These girls can only be stupid" e agora “I’m stupid too”

Liliana